terça-feira, 23 de novembro de 2010

GASTROENTERITE

Quando avancei com a criação deste blogue, sabia a falta de tempo que me esperava. Escrevo de vez em quando, no meio de outros afazeres, para descontrair ou repousar.
Já lá vai um mês que decorreu o Festival Nacional de Gastronomia em Santarém, e só agora consigo deixar a minha opinião. Fui lá apenas uma vez. E chegou! Um grupo de amigos marcou um jantar e lá fui, curioso com o que ia encontrar, confesso.
Depois de comprar o meu bilhete de ingresso (sim, não sou dos muitos que tem livre trânsitos ou bilhetes à borla, apesar de já ter sido “director” da coisa) lá fui, atento aos pormenores, a beber, não copos de vinho, mas as imagens e vivências que ressaltavam no local.
Desiludido, muito desiludido, aliás!
Nada mudou. O Festival de gastronomia é exactamente a mesma coisa do passado. Antro de comezaina, mais fino para alguns que se deslocam, na bajulação de Secretários de Estado e Ministros, ao 1.º andar da Casa do Campino, e mais corriqueiro para outros que se sentam nos poucos restaurantes existentes nas antigas cavalariças.
Um Festival que queira ser Nacional, tem de ter novas atracções, tem de inovar. E não é com a mudança para só uma porta que se inova. Os Restaurantes são os mesmos há anos (vá-se lá saber porquê! E não me venham dizer que são as regiões de turismo que escolhem), os balcões em que era possível petiscar desapareceram, o artesanato mete fastio! Quem vê num ano vê nos outros, a mesma comida, os mesmos “mestres de cerimónia”…
Um Festival de Gastronomia para ter dimensão, projecção e continuidade, tem de apostar forte em duas vertentes: Uma temática, vocacionada para profissionais do ramo, com muita qualidade, e outra, muito atractiva, para o público em geral, em que o visitante se possa deleitar num percurso pelo país, degustando o melhor que se faz na gastronomia regional de cada zona. Tem de ter um espaço aprazível, ter concursos, movimento, divertimento, mas muita qualidade.
Quando por lá passei, pela direcção, apresentei ideias. A Casa do Campino dava uma boa zona de petiscos, em que, depois de adquirir um passe, se podia petiscar país fora, provando a boa gastronomia e vinhos que continuam a ser uma âncora turística deste nosso Portugal que não sabe aproveitar os seus recursos e cativar públicos. Na zona exterior, ao invés de se venderem colheres de pau e imperial, daria um bom palco cultural. Uma tenda com workshops de cozinha em que os peritos do ovo estrelado poderiam aprender mais qualquer coisinha, fomentando o gosto pelo cozinhar. Porque a gastronomia não é só comer, devorar, é saber apreciar e fazer. Assim como não é só para os “chefes”, pois esses podem fazer os colóquios e palestras que bem entenderem durante todo o ano e repetirem os eventos por todo o lado.
As minhas ideias esbarraram nos poderes instituídos, no regozijo (ou regurgito) dos almoços do 1.º andar até às 4 da tarde, no artesanato repetido e esgotado, nos amigos e enteados, enfim… esbarraram na mentalidade tacanha e pouco instruída daqueles que julgam ter o monopólio da sapiência gastronómica!
A Portugal e ao Ribatejo falta visão sobre o turismo e estratégia de captação de visitantes. Não vi no Festival de Gastronomia nem um único estrangeiro. Julgava eu que captar públicos de outros países seria a verdadeira acepção da palavra internacionalização. Em qualquer pequeno festival gastronómico a que fui, no Verão ou no Inverno, noutras localidades, sempre se viam estrangeiros, turistas. Aqui nem sombra!
Aqui fala-se de internacionalização, discute-se o conceito, trocam-se atordoadas, mas afinal, nada muda!
Ou seja, o festival actual não serve o público nacional nem o internacional.
E ainda bem que o Presidente do Festival e da Entidade de Turismo (deve-se chamar assim porque o pessoal passeia por lá) considerou que a crise não afectou o certame, em declarações à Comunicação Social. Talvez o ordenado e reforma acumulados não façam, felizmente, sentir as dificuldades que muitos portugueses atravessam.
Confesso que gostaria de ver os números. Deve ter sido o pior festival da história. Pelo menos a julgar pelos desabafos que se ouviam dos responsáveis dos restaurantes! E o pior é que se continuarmos com esta mentalidade, com este figurino gasto, um dos grandes ícones de Santarém vai definhar até à morte.
Deixo sugestões: Mudar de sitio ou reformular o espaço, apostar no petisco, abolir os almoços refastelados, envolver o mercado turístico, apostar na oferta cultural e inovar, fazer um road show pela Europa a promover o evento. O Festival tem de se desprender, de uma vez por todas, da naftalina dominante e tornar-se num evento bem produzido, moderno e atractivo.
Bom proveito!

CRISE E SOLIDARIEDADE

Solidariedade é uma palavra carregada de sentido. Ser solidário é ser co-responsável, é ser recíproco nas obrigações, apesar de muita gente a confundir com o dar.
Confesso que não entendo porque é que as pessoas acham que a solidariedade é acto próprio apenas dos momentos difíceis, das crises. Igualmente não entendo como é que pode haver aproveitamento da solidariedade.
No momento de crise que vivemos, a palavra solidariedade ouve-se em todo lado. Não há “cão nem gato” que não faça um espectáculo de solidariedade, uma recolha de alimentos, que encha a boca com esta palavra. O espírito natalício que já começa a ocupar os nossos corações e dia-a-dia, é propício para trazer ao de cima os sentimentos mais nobres relativamente ao próximo e em consequência, o marketing ou a politica aproveitar-se deles.
O pior é que estas acções são muito individualizadas, e a maior parte das vezes, com uma política de marketing subjacente. Venha ao shopping e traga um alimento, compre um porta-chaves para ajudar as crianças abandonadas, faça um clique no facebook e ajude uma mãe, etc. etc.
Ser solidário é ajudar o próximo, num acto de co-responsabilização social. É fazê-lo sempre que possível, com regularidade, é pensar e ter consciência de que, quem tem fome precisa de comer todos os dias e não só no natal, quem tem frio precisa de um abrigo constante, quem não tem roupa precisa de se vestir todos os dias.
E este tem sido o papel das inúmeras IPSS’s que existem em Portugal e no mundo. Não existem só em alguns períodos, são constituídas, na sua maioria, por dirigentes voluntários, vivem apertadas financeiramente, pedem ajuda, preocupam-se com a necessidade todo o ano!
E se a Solidariedade séria começa e acaba nestas instituições, que conseguem motivar os cidadãos para a responsabilidade social, para o voluntariado, são elas que devem ser apoiadas. Principalmente pelo Estado, pois elas substituem-se àquele em muitos e muitos campos da sociedade.
Mas este governo não entende isto. Este governo, obcecado com o défice e o corte cego, corta em todo o lado, até às IPSS’s que assumem, elas sim, um papel determinante nestes momentos de crise em que a procura de auxílio bate todos os recordes.
O Orçamento de estado corta os benefícios fiscais, corta a isenção do IVA das IPSS’s, corta nos acordos com a Segurança Social, deixa fundos comunitários sem aproveitamento, por falta de contrapartida nacional, para lares e centros de dia. O mesmo Governo que fomentou as candidaturas ao QREN para equipamentos de resposta social, é o mesmo que agora, depois de aprovados os fundos, nega a comparticipação para que esses projectos vejam a luz do dia. É um governo que, literalmente, dá com uma mão e tira com a outra!
Aflitas, as instituições recorrem às Câmaras, também elas endividadas e a precisarem da “solidariedade” do estado e de todos nós, a precisarem do mesmo governo que ainda em Janeiro dizia não ir cortar nas transferências para os Municípios e agora lá vai mais um corte cego. E os montantes necessários são tão altos que as Câmaras não conseguem dar resposta, apesar de ser reconhecido o mérito dos equipamentos.
Assim não há solidariedade que resista. É certo que a solidariedade promovida pelas IPSS’s continuará, fruto da acção dos homens e mulheres que sabem que vale a pena lutar pelos outros, pela dignidade humana, pela sobrevivência daqueles que mais precisam. E a verdadeira solidariedade continuará a ser esta, a desinteressada, a determinada, a que vence obstáculos herculeanos, que consegue suprir as ineficácias e incompetências dos governos, do estado.
É pena que não haja um olhar sério para a área social. É pena que não se pense na reforma das funções do estado, lançando um olhar mais atento para o Estado Social e o seu verdadeiro significado.
Estamos em crise. Crise financeira e de valores. O Governo lança programas de apoio às exportações e vangloria-se com eles. E as pessoas? E o emprego? onde ficam nessas politicas? Não deveria o Executivo lançar um forte programa de combate à pobreza, envolvendo os agentes que diariamente protagonizam esta luta? Estou certo que sim. A crise não é passageira. Veio para ficar. E as pessoas são os motores de qualquer sociedade.